domingo, 31 de maio de 2015

DA SÉRIE ALTAS HORAS

Os cães esta noite andam agitados. Desta forma, o sono se foi, mais um vez.
É incrível como no silêncio os ruídos e vozes ganham proporções gigantescas e às vezes até nos confundem. Não sei se realmente serão cães, agora. Há momentos em que parecem vozes humanas misturadas aos barulhos da noite. Há pouco alguém em um carro deu uma freada descomunal e pude ouvir os pneus derrapando na estrada. Achei mesmo que havia desgovernado. Sobressalto em um ambiente que é sempre tão silencioso. Daqui é normal ouvir-se o barulho do mar, o pio dos pássaros noturnos, algum grilo. Quando chove, sapos coaxam e ouvimos cada pingo que bate contra a janela. Ou se acontece alguma festa ali no centrinho da vila. Mas nesta noite não. Há qualquer coisa fora do padrão de todas as outras. Talvez porque seja sábado, como no poema. Talvez não. O som de um violão ao longe me faz fantasiar a imagem de alguma sereia a encantar pescadores, porque vem do lado do mar. Dei hoje um jeito nas costas, como dizem os mais antigos. E tive então que me socorrer daquela pomada espanhola que tem o feitio de um bastão, do tipo daqueles desodorantes antigos, que acho que nem vendem mais. A danada aquece e arde, chega a deixar a pele em alto relevo e uma vermelhidão que até assusta. Mas a mim não, acostumei a sentí-la e, sinceramente, até me sabe bem. Amanhã vou estar nova em folha, sem nenhuma dor. O fato é que ela é um pouco incômoda, se aplicada à noite. Dependendo da posição em que a gente deita, se deitar em cima da parte "medicada", vira martírio para alguns. Cheira a cânfora e mais alguma coisa parecida com aquelas pomadas que se usa em lesões musculares, luxações ou algo assim. Forte. Se chegar ao pé das narinas, é capaz de desobstruir qualquer nariz entupido. Deve servir para isto também, nunca li a bula. Aliás, odeio ler bulas. Deve haver gente que gosta, decerto por isto imprimem aqueles verdadeiros tratados sobre os medicamentos. Nas únicas vezes em que me aventurei, tive séria inclinação a não tomar o remédio. São assustadoras demais, quase um terrorismo. Bom seria se amanhã (ou hoje) se repetisse o dia de ontem. Dia lindo de sol. Vem o meu irmão com a mulher e as crianças, daria prá correr na praia, andar de bicicleta, quem sabe um churrasco domingueiro. Não aprecio carne, não como seria normal para uma gaúcha, apenas gosto e não é de forma muito apaixonada. Já a minha mãe adora. Pelotense de nascimento, mas meio castelhana lá das bandas do Uruguai, foi criada no campo, tomando o leite no copinho, na hora da ordenha e acho que também à mesa, no almoço, ao invés de água ou suco, bebiam leite recém tirado. Não estranho, uma vez em Bruxelas vimos um senhor beber um enorme copo de leite à refeição. Era venezuelano, se bem me lembro. Ainda comentamos sobre ele gostar ou não do trabalho feito pelo governo na altura. Era o Chaves. Não gostava, chegou a ensaiar um discurso quase inflamado, Não houve muita emoção por parte da plateia, assim que seguiu contando que bebia litros de leite ao longo do dia, como se fosse água. Nem íamos nos dar conta de que bebia leite, não fosse o fato de ter entornado o copo inteiro por cima, o que fez com que a gente começasse a conversar. Era simpático o senhor venezuelano. Ele e as duas senhoras que o acompanhavam à mesa. Enquanto falava, ajudavam-no a limpar a roupa toda respingada de leite. Mas voltando às carnes, confesso que prefiro um bom peixinho assado na brasa ou grelhado e muitos legumes a acompanhar. Tenho a mania da carne bem passada, geralmente os churrasqueiros de plantão são avessos a este crime. Carne boa é carne suculenta e quase a berrar. Não prá mim, gosto dela no ponto, quase bem passada. Daí é ofender o assador, digo eu. Sempre fazem uma cara meio feia pro meu lado. Então provo, elogio e encho o prato de saladas, legumes e arroz, se houver, e fico bem feliz.
Isso me faz lembrar que preciso ir à cata de umas tainhas bem apanhadas para o almoço, se tiver sorte encontro com algum dos pescadores que ficam ali perto do farol. Não são todos os que vendem, há dias em que nenhum. Gosto da função de andar passeando por ali e ver os peixes saltitando nos baldes ou cestos. Dá uma certa pena, também. Mas é a vida, a cadeia alimentar precisa ser mantida.
Outro carro passa e mais outro. Já são horas de andar prá casa, voltando de alguma festa.
Bem vou ter que dormir, mesmo que seja sob protesto. Já se ouve os gritos estridentes das gralhas azuis na figueira grande no terreno baldio. O meu vizinho Elias falou que agora há também dois micos, uns miquinhos. Mas ainda não vi e desconfio da veracidade do fato.
Tenho que dormir, sim.
Senão logo mais ando virada em zumbi.
Até logo.
E um belo domingo prá todos.


sexta-feira, 22 de maio de 2015

ALTAS HORAS

Há pessoas assim, não dormem quando todos dormem.
Não é o hábito, normalmente caio dura assim que termino a oração da noite. Às vezes nem isso, com o devido perdão do meu bom Deus.
Mas hoje o sono anda longe.
Na verdade, eu é que ando meio fora do meu fuso. Tenho minha mãe e meu irmão Sérgio comigo e eles tem lá uns horários meio bruxos, a gente acaba assimilando. Deitam por volta das sete da noite, acordam pelas cinco da manhã e tomam café às seis. Tenho sono leve, ao menor ruído, desperto irremediavelmente. E levanto.
Hoje, na tentativa de me manter alerta até mais tarde e, assim, colocar no prumo esta minha vida momentaneamente desregulada, foi-se o sono de vez.
Cabeça vazia, os sons da noite vão se tornando marcantes. Até pararem, às tantas. E o silêncio dar lugar às lembranças, planos e expectativas.
Tem chovido bastante na ilha, quase todos os dias. A água empoça e os mosquitos aparecem. Andam sobrevoando o quarto (e a minha cabeça), uma penca deles. Eu que não uso venenos de espécie alguma, fico rezando que não sejam cruéis e não me venham com nenhuma doença por cima.
Tentando adormecer.
Completamente focada nisso.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              


DA MELANCOLIA DE QUE FALAMOS, RODRIGO MEDEIROS. E DAS COINCIDÊNCIAS. MEU ÚLTIMO POST, EM 2013, FALAVA DO CASSINO. COMO SE ALGO ME DISSESSE QUE PRECISAVA VOLTAR. E CÁ ESTOU!

A praia do Cassino, além do mar, tinha cheiro de maresia e peixe no ar. Tinha milho cozido entre um mergulho e outro, gente bonita e bronzeada pra quem olhar e por quem ser olhado. Praia das dez às quatro da tarde. De branco no corpo, só olhos e dentes. E a gente não precisava se besuntar com protetores solares. Do buraco na camada de ozônio nem se tinha notícia. Muita vitamina D, sim senhor...da melhor. Buracos a gente fazia na areia, catando mariscos. E uns castelos impressionantes que depois a onda levava.
As tardinhas e as noites eram de sonhos na avenida. Lá a gente encontrava todos os amigos e também os olhares de canto de olho. Ouvíamos música da boa e ríamos à toa. A volta pra casa a pé, em turma, a emoção a flor da pele, dormir pensando, tudo fazia parte do encantamento.

Acordar cedo com a voz estridente do vendedor de camarões, carregando aquela caixa de isopor - Camareão! Olha o camareão dessscassscado!
Depois do almoço a gurizada em fila pra ganhar o picolé de fruta, que ainda nem era kibon, mas a gente adorava. Outros dias eram de quindins e ninhos, comprados na carrocinha do velhinho simpático, em frente à igreja.
Nas férias a casa se enchia de primos, amigos dos irmãos e amigos dos amigos dos irmãos, além dos nossos próprios.
A primeira vez que ouvi Beatles foi lá. O primeiro namorado também. A primeira choradeira ao acabar um namoro, as paixões platônicas, muita coisa foi lá. 

Tempos de sonhar acordada.
Tem este gosto quando a gente anda por aquelas ruas.
O Cassino é tudo isto e muito mais.
Por isto a melancolia boa.

EU, COMIGO.

Momento em que todos os barulhos calam e o silêncio se veste de lembranças.